Eu amo ser psicóloga
- Luma Deffendi

- 5 de jul. de 2022
- 4 min de leitura

Eu adoro ser psicóloga, não me entendam mal. Esse texto não é sobre isso.
Mas aprendi recentemente (e que triste isso, pois passei grande parte da minha história profissional em sofrimento) que odeio performar o “ser psicóloga”.
Cabem muitas análises aqui, vamos por partes.
A primeira delas diz respeito à solidão envolvida em ser psicoterapeuta e como isso afeta diretamente não apenas a nossa atuação como o nosso “ser” no mundo. Foi a partir do momento que me abri pra e com outras colegas psicólogas que que comecei a desmistificar muito do que era imposto a nós enquanto profissionais da saúde mental. Não, não temos que estar sempre bem e é óbvio que, enquanto humanas que somos (pois até onde eu sei não configuramos uma nova subespécie, quanto mais uma espécie diferente dos outros seres humanos), estamos suscetíveis ao erro, à dor, ao fracasso, ao “não estar bem”. Temos sentimentos e dificuldades como quaisquer outras pessoas e desejamos o amor, a conexão real e o pertencer.
A segunda análise que faço é sobre o papel social da psicóloga no mundo e como o ser uma MULHER psicóloga altera essa dinâmica. Culturalmente falando, já nos é imposto o equilíbrio, o constante autocontrole e o domínio de todas as teorias e técnicas existentes. Soma-se a isso o “ser mulher” e temos um pacote de responsabilidade triplicado, pois é atribuído à nós uma paciência e uma resiliência que não tem ordem a não ser a misoginia imposta pelo sistema patriarcal. Então, em resumo, devemos, enquanto psicólogas, estar sempre bem, saber sobre tudo o que existe, cuidar do outro acima de qualquer coisa, ter um tolerância aumentada diante de situações desafiadoras, nos responsabilizar por tudo o que dá errado (principalmente) e mais, se possível, fazer isso de coração aberto e quase de graça, pois é “da nossa natureza zelar, e isso nem deveria receber o nome de trabalho.”
Sou capaz de dissertar também sobre o quanto a precarização da profissão me desgasta e me faz questionar algumas escolhas. Veja bem, eu gosto de ser psicóloga, mas não é fácil sentir que o meu trabalho é desvalorizado tão facilmente, diante da mínima intercorrência. “Três meses de psicoterapia e o cliente não evolui conforme a família esperava? Troca a psicóloga, o problema é com ele. Não sabe responder à essa questão? Claro, é só uma psicóloga. Não conseguiu trocar de emprego depois de 5 sessões? Seu método que não funciona, e não eu que não me responsabilizo. Pra quê eu vou fazer terapia se tudo o que o psicólogo faz é falar? Prefiro tomar remédio que pelo menos resolve. A sua sessão é muito cara, vi num aplicativo por R$50. Não podemos fazer uma sessão gratuita pra eu ver como você trabalha? Podemos marcar uma sessão pontual pra eu trabalhar a minha ansiedade?”
Isso é um desabafo? Sim. Mas não é só isso.
Eu sou uma pessoa consciente e isso ninguém me tira. É óbvio que eu entendo que psicoterapia é um serviço caro e que infelizmente o nosso Estado não fornece condições básicas de saúde para a população, muito menos meios justos para que todos possam pagar por um processo psicoterapêutico. Mas não vejo muita gente questionando o valor do serviço de um médico ou de um engenheiro, por exemplo (que são, historicamente, profissões masculinas. Olha que coisa!).
Daqui de onde eu vejo o problema, acho justíssimo lutarmos por políticas públicas que assegurem minimamente o acesso à serviços de saúde de qualidade e, enquanto isso, fazermos a nossa parte reservando uma porcentagem do nosso tempo para atender pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica (e se isso fizer sentido, não como uma imposição. Eu, Luma, opto por fazer). Mas é preciso uma mudança de perspectiva, uma união pela causa, um despertar pra todos os determinantes envolvidos em a Psicologia ser tão subjulgada.
Agora uma reflexão bastante pessoal. Eu, Luma, não aguento mais performar também porque passei grande parte da minha vida fazendo isso por acreditar que o meu valor enquanto pessoa residia em atender às expectativas de quem me cercava. Como se o meu direito de ser amada residisse na minha capacidade de desempenhar este ou aquele papel: a melhor aluna, a filha mais obediente, a amiga mais presente, a namorada mais compreensiva, a psicóloga mais bem preparada. Hoje percebo que cheguei ao meu limite, pois não sou capaz de sustentar tantas expectativas elevadas sobre mim mesma. Me torno insegura e reativa toda vez que meu conhecimento e conduta são colocados à prova, como se isso fosse, de fato, determinar o meu lugar no mundo. Cá entre nós? Esse é um papel que me acostumei a ter, mas que definitivamente não gosto e não quero desempenhar mais.
É exaustivo lidar com os julgamentos que fazem a nosso respeito, mas é ainda mais difícil tentar provar o nosso ponto every single minute. Chega a me doer fisicamente, bem no meio do peito, como se algo quente fosse inserido no meu esterno e contra a minha vontade, cada vez que alguma intenção diferente da real é atribuída a um comportamento meu. Me desestabiliza, me magoa. Mas percebo que prefiro essa dor a viver a outra metade (ou terço) da minha vida tentando agradar, convencer, vender que eu sou imune à falibilidade - que é exatamente o que me torna tão humana.
Eu sei que faço o meu melhor. Diferente da Luminha adolescente, insegura e solitária, hoje tenho clareza em relação ao que traz significado à minha vida. Então por mais que eu me desestabilize, já entendi que duvidarem do meu caráter (tendo eu conhecimento sobre ele) não vai me derrubar.
Se pra ser protagonista da minha vida eu tiver que desempenhar o papel de vilã perante o que esperam de mim, ok então. Posso conviver com isso. Mas não vou me colocar em condição de ensaiar até a exaustão, de decorar tantas falas, de adquirir os trejeitos “certos”. Eu vou de improviso, em paz comigo mesma, alinhada com aquilo que acredito ser significativo pra mim. Com o figurino que me cabe de verdade e com a maquiagem natural das minhas dores e medos. Eu sou real E sou psicóloga.
Eu adoro ser psicóloga, não me entendam mal. Mas às vezes também odeio ser psicóloga, e esse texto é sobre isso.



Comentários