“Perrengues” de uma psico: os desafios da jornada clínica.
- Luma Deffendi

- 22 de mai. de 2021
- 7 min de leitura

Depois de cinco anos estudando para ser Psico, você finalmente recebe o seu diplominha e tá pronta pra encarar esse mundão ajudando as pessoas no seu consultório. 🤩
Que bonito, né? Só que definitivamente não é assim que funciona, gata!
Antes de qualquer coisa, um breve adendo... eu tenho algumas críticas em relação ao nosso sistema de ensino de modo geral, e especialmente ao modo como, em algumas instituições aqui no Brasil, a Psicologia é ensinada, de modo descompromissado com a prática científica. Mas isso é treta pra outro momento.
Agora, vale frisar que, hoje, com quase 10 anos de formada, percebo o quanto saímos despreparadas para o mercado de trabalho. O que, para nós psicólogas (os), muitas vezes significa uma carreira autônoma e cheia de desafios!
A clínica é nosso negócio, mas não aprendemos minimamente como gerir algo dessa dimensão. Ok, concordo que 5 anos é pouquíssimo tempo para aprendermos tudo o que é necessário. Só que, ainda assim, me espanta o fato de que a preocupação com a atuação profissional simplesmente não existe até o momento em que deixamos a universidade.
Por meio dessa fala nada mansa vou tentar abordar superficialmente, é claro, alguns pontos de atenção importantes para uma psico recém nascida.
1. Pós graduação:
Eu sou a louca dos livros! 📖
Já sei do meu viés, mas, brincadeiras à parte, quando me perguntam se EEEUUU acho que um psico deve fazer pós-graduação para atuar na clínica, a resposta quase sempre é: sim.
Isso não é uma regra e, claramente, você não pode sair da faculdade e ir direto atender a galera. No entanto, devemos levar em consideração que o nosso trabalho envolve muuuuita responsabilidade. Afinal de contas é a vida de outra pessoa que está ali em jogo, sabe? E eu acabei de falar: 5 anos de graduação não dá pra nada; a gente acaba saindo meio generalista em quase tudo.
Existem diferentes tipos de pós e eu, por exemplo, fiz a loucura de fazer uma lato (especialização) e uma stricto (mestrado e depois doutorado) ao mesmo tempo.
Você deve pautar a sua escolha naquilo que faz mais sentido pra você!
Mas, para atuar na clínica eu aconselho fortemente que façam uma pós estilo especialização (ou mestrado profissional) focada em práticas clínicas (e em alguma abordagem baseada em evidências científicas, por favor).
Normalmente “lá se vão” mais 2 anos estudando, fazendo supervisão e se preparando para prática. E, viu, ainda é pouco. Na nossa área, estudar será um continuum, pois a ciência não para, minha gente. Se quer moleza, senta no pudim! 🤭
2. Abordagem:
Preciso criar um gap aqui pra falar sobre abordagem. Gente, é importante sim ter uma abordagem de trabalho!
Ou seja, ter um corpo teórico-filosófico-científico-prático/interventivo que norteia as suas práticas. É essa abordagem que vai dar o tom, que vai te guiar nas suas intervenções.
Eu, Luma, sou veementemente contrária a não ter uma abordagem e se autodenominar uma “colcha de retalhos”. Essa metáfora pode servir pro seu gosto musical ou pros seus interesses pessoais, mas não rola no exercício da profissão, desculpa.
Já dizia o amado migo Skinner: “confusão na teoria significa confusão na prática”.
3. Conselho Regional de Psicologia (CRP):
Tá, aí a gente sai do que é mais minha opinião para o que de fato é regra: para exercer a profissão, assim que recebe o diploma, é necessário se cadastrar no Conselho Regional de Psicologia do seu estado. Eu, por exemplo, estou inscrita no CRP de São Paulo.
Os conselhos regionais fazem parte de um macrossistema, denominado, Conselho Federal de Psicologia, que tem como objetivo: orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de psicólogo, bem como zelar pela qualidade técnica e ética dos serviços prestados por nós.
Assim, por sua natureza, é o Conselho Profissional caracterizado como um órgão de defesa e cuidado da própria Psicologia. Cabendo-lhe a mediação entre a profissão e a sociedade.
Para solicitar o seu registro, você precisa pagar uma taxa e depois ter um pouquinho de paciência enquanto espera ele sair. Você não pode atuar como psicólogo se não tiver esse número de registro em mãos (metaforicamente falando).
Durante a pandemia, o CRP de SP, por exemplo, passou a disponibilizar as inscrições de modo exclusivamente online. Além dessa taxa inicial, você também deve pagar todo santo ano um valor em torno de R$ 483,70 para que ele continue valendo e você continue trabalhando de modo legal (em termos de lei).
Caso você queira atender online (o que se tornou a regra em tempos de Coronga), você deve fazer o seu cadastro no sistema do E-psi no site do conselho federal.
Beleza! Tirei meu registro, estou em uma pós, ou fazendo supervisão e vou começar a atender. Acabou o caô, né?!
Nãooo!
Agora vem mais um monte de burocracias com as quais não aprendemos lidar: precificação da nossa sessão, aluguel ou preparo de um espaço adequado para os atendimentos, regularização fiscal, captação dos clientes, atenção aos preceitos éticos que ordenam a prática e tudo isso sem nem pensar nos primeiros atendimentos de fato.
Eu sei! É muita coisa e como eu já disse o objetivo é ser mais generalista. Depois podemos aprofundar mais a respeito desses assuntos. 😉
4. Sobre alugar um espaço:
Você pode alugar uma sala por horário, por período e de modo integral. Além disso, outra opção seria dividir o aluguel com um ou mais colegas (pelo menos no início).
A escolha vai depender de várias coisas, dentre elas a quantidade de clientes que você tem, a sua disponibilidade financeira, das horas que você tem destinadas para atender, os seus valores pessoais, dentre outras coisinhas.
Geralmente, até que você consiga captar um número legal de clientes, compensa alugar uma sala por hora ou dividir os gastos de uma sala com alguém.
Mas Luma, eu devo ter uma sala pra atender online?
De novo, depende!
Eu acho que o online permite sim uma flexibilização do ambiente físico, mas você deve pensar se vai conseguir garantir a privacidade (sua e do cliente), por exemplo, atendendo de casa.
Fora que a gente já não aguenta mais fazer tudo no mesmo local, né?
Eu recomendaria, caso você tenha condições, é claro, um sistema híbrido em que possa atender de casa se precisar, mas que tenha o seu cantinho de trabalho garantido.
5. E para captar clientes, Luminha, o convênio é legal?
Resposta curta e grossa: não!
Geralmente eles pagam pouco e você acaba precisando atender muuuitas pessoas por dia para valer a pena.
Mas assim, de novo, essa é a minha opinião, baseada na minha história e no meu jeito de ver o mundo. Se você tem como único objetivo ralar muitão por um “período x” pra lotar a sua agenda e está de acordo com isso, se isso faz sentido pra você, então ok.
O melhor meio de captação acaba sendo mesmo o boca a boca, ou seja, se preparar tecnicamente e fazer um bom trabalho com quem passa por você. Além do famigerado networking com colegas de profissão (e de outros segmentos da área da saúde, por exemplo) que pode ajudar super nessas indicações.
6. E quanto eu devo cobrar pela minha sessão?
Seguir a tabela do site do CFP é o ideal?
Aliás, será que eu devo cobrar? Pois psico por amor, né?!
Gente, pára!
Não questionamos quando outros profissionais cobram pelos seus serviços, então por que raios essa mania de achar que psicologia é igual à filantropia?
Você pode amar psicologia, mas você deve cobrar pelo seu trabalho, pois ele é o seu ganha pão! Você gostando ou não, também está imersa no sistema capitalista e precisa do dinheiro pra sobreviver nele.
As pessoas, de modo geral, precisam entender que se estão insatisfeitas com o sistema (coisa que eu particularmente estou), devem fazer escolhas melhores na hora em que forem votar, devem cobrar por políticas públicas mais coerentes e por uma economia mais consistente, com juros e inflação menores.
Nós, psicólogos, somos trabalhadores como quaisquer outros e temos o direito de cobrar pelo nosso trabalho que, inclusive, tem custos muito altos como eu já vou mostrar pra vocês a seguir.
Segura a emoção aí que agora vem!
7. Precificação do serviço:
Ser psicoterapeuta no Brasil é caro, gente.
Fazer psicoterapia, por consequência, também não é barato.
Psico querida, o valor da sua sessão não é apenas a sua hora de trabalho (como se isso, por si só, já fosse pouca 💩, né?!).
Para calcular o valor da sua sessão alguns gastos fixos e variáveis devem ser considerados, dentre eles: anuidade do CRP, impostos de acordo com a sua tributação profissional (federal e municipal e aqui entra o tal do ISS que você paga anualmente pra prefeitura pra poder oferecer os seus serviços), aluguel da sala, luz, água, secretária (ou, às vezes, condomínio), internet, celular profissional (aliás, indico fortemente que tenham números separados), gastos com contabilidade, cursos, congressos, livros (lembra que eu falei que você nunca vai poder parar de estudar? Então...), materiais de apoio para sessão, aquele cafezinho maroto que você oferece pros clientes, dentre outros.
No meu caso também contrato serviços administrativos/financeiros, gerenciamento da bela rede social que é o @psico.luma e ainda tive o auxílio de uma advogada na confecção bonitinha dos meus contratos de prestação de serviços.
“Mas, Luuuuma, você pode fazer tuuuudo isso sozinha!”
Posso sim, e posso também optar por não ir ao banheiro, comer e/ou dormir pra dar conta de tudo, por exemplo.
Rapadura é doce mas não é mole não!
É muita coisa! Fora que nessa conta nem entraram gastos que nós, por sermos autônomas, temos que considerar, tais como: reservar uma parcela da grana mensalmente para o nosso 13º salário, nossas férias e a longínqua (e quem sabe um dia possível) aposentadoria.
“Luminha, já posso pedir pra sair?”
Minhas belezas, não desistam. Não é um mar de rosas mas é passível de aprendizagem (como quase tudo nessa vida).
Existem excelentes profissionais aí nesse mundão prontos para auxiliarem vocês nessa caminhada.
Vou deixar aqui, inclusive, os @ do povo mara que me ajuda a ser uma profissional melhor a cada dia: @advogada.juliana.danella, @heypalombina, @palombo.solucoes e @data.contabilidade.
Têm também muitas psicos legais que oferecem serviços de mentoria e/ou supervisão clínica pra quem tá começando (inclusive euzinha) e eu indico super que vocês busquem esse suporte, principalmente no início quando tudo parece meio obscuro e complicado.
Gosto muito do que a minha diva @oigabipsi fala sobre a psicologia ser cooperativa. Acredito que juntas podemos ir além e, quem sabe, contribuir no desenvolvimento não só da nossa prática profissional, mas da própria área como um todo.
Espero que tenham gostado. ❤️
Eu sei, trouxe um conteúdo mais denso. Não esqueçam de deixar comentários/sugestões/biscoitos e ou críticas (carinhosas). São sempre muito bem-vindos.
Até a próxima! 😊





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